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Aos dois anos e meio fiquei sem mãe.
Fui ao funeral ao colo de vizinhos e aquele povo ia passando a minha pessoa de mão em mão.
Eu pensava que não devia chorar porque elas podiam arrepender-se de me tomar para criar.
Desde muito cedo tive a percepção de que nada naquela casa pertencia-me.
Elas davam-me tudo, mas eu sabia que nada era meu.
A partir de 1945 houve seca em Cabo Verde e eu vi pessoas morrerem de fome.
O padre perguntou-me se cometia pecados das tentações da carne e eu não sabia o que isso era.
Subestimávamos o sono e a comida.
O sofrimento da pessoa a ser evacuada não nos deixava pensar na fome.
Dávamos o nosso tempo para tentar salvar vidas.
Naqueles dias difíceis tínhamos que aguentar firme, encerrar o medo de morrer e não pensar.
Guiné 1973.
Estava toda a agente a morrer e os aviões a cair.
Todos os dias perdíamos algum colega ou piloto.
As baratas davam-me a certeza de estar viva.
Ao vê-las no meu quarto eu me beliscava falando baixinho: “Agora já sei que estou viva”.
No avião, a ser evacuado para Lisboa o soldado, paralítico e sem “sexo” não queria ver a namorada e chorou agarrado ao meu pescoço.
As minhas lágrimas juntaram-se às dele.